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Falar sobre igualdade de gênero é sempre uma questão complicada, mas o debate é tão relevante que, ainda que não estejamos dentro de um padrão ideal de discussão, onde há respeito e autoanálise, o tema vem sido cada vez mais abordado. O Alphr nos trouxe, recentemente, alguns dados interessantes a respeito do papel das mulheres nos setores de tecnologia.

Ainda que a primeira programadora da História tenha sido Ada Lovelace, mulher, o universo da Tecnologia de Informação é predominantemente dominado por homens em todo o mundo. Na Microsoft, apenas 17% dos funcionários da área técnica são mulheres; entre os engenheiros do Google, 83% são homens; do time de funcionários da Apple, só 20% são mulheres.

Isso não quer dizer que elas não têm interesse pela área de tecnologia, mas que a preferência na hora da contratação continua sendo pelos candidatos homens. A situação fica ainda mais grave quando as poucas mulheres que trabalham no setor resolvem questionar a falta de mão de obra feminina – são chamadas de vítimas, no sentido pejorativo, quase sempre.




Brianna Wu, criadora do Revolution 60, um jogo criado somente com personagens femininas, foi alvo não apenas de comentários maldosos, como acontece sempre que as questões de gênero entram em foco. Brianna precisou mudar de endereço depois de receber ameaças grotescas de estupro e morte. A crítica de games Anita Sarkeesian também teve de se mudar devido ao vazamento de seu endereço e às constantes ameaças que recebia – nós falamos a respeito do caso dela neste texto, que aborda justamente a hostilidade sofrida pelo público feminino no universo dos games online.

Em outubro de 2014, o CEO da Microsoft, Satya Nadella, fez uma declaração bastante polêmica ao dizer que mulheres não devem pedir por aumento salarial – mulheres ganham menos do que os homens, ainda que exerçam a mesma função – e que, em vez disso, deveriam usar seus “superpoderes adicionais” para favorecer seus karmas na hora de ganhar um aumento.

Para a desenvolvedora de sistemas e engenheira Randi Harper, as mulheres que trabalham com tecnologia frequentemente abandonam suas profissões porque o ambiente é tóxico. Segundo ela, não adianta incentivar que as mulheres façam cursos de engenharia e tecnologia se o ambiente de trabalho é tão cheio de desigualdades.



Para Pam-Marie Guzzo, a má visão acerca do papel feminino na tecnologia influencia as meninas adolescentes, que acabam acreditando que determinadas funções são mais apropriadas para homens: “Eu não acho que é uma questão de gênero, acho que são pessoas sendo arrogantes”, disse ela.

Obviamente, não estamos generalizando e dizendo que todas as empresas de tecnologia hostilizam mulheres e as remuneram de maneira desigual. Pesquisas indicam que companhias que contam com boas equipes de recursos humanos são as menos suscetíveis a apresentarem episódios sexistas. Ainda assim, a hostilidade parece estar longe de chegar ao fim.

Uma executiva da Microsoft, que não quis ter seu nome revelado, disse que o que ocorre é uma espécie de “cultura do bullying”. “Eu acho que é porque esses caras sofreram bullying na escola. Eles não conhecem outra forma de agir”, disse ela ao contar a respeito de um episódio no qual um dos chefes gritou para uma funcionária algo como: “E por que você acha que eu me interessaria por esse lixo? Você é idiota?”.


Lynn Anderson, que lidera um movimento que promove a inserção de mulheres no ambiente tecnológico, diz que a hostilidade no setor é o principal motivo que faz com que mais da metade das mulheres que começam a trabalhar com tecnologia acabem pedindo demissão. Elas não sentem que são reconhecidas e valorizadas pelo trabalho que fazem.

Randi Harper explica que “as ideias da mulher vão ser descartadas sem ao menos serem consideradas, e o homem que faz isso nem ao menos se dá conta de que está fazendo isso porque ela é uma mulher”. Para ela, esse tipo de situação faz com que as poucas mulheres que trabalham com tecnologia cheguem ao ponto de desistir da própria profissão.

Outro fator que muitas vezes impede a contratação de mulheres é a possibilidade de se tornarem mães e precisarem sair de licença maternidade ou, com relação às que já têm filhos, que precisem se afastar do trabalho por conta de algum problema de saúde pelo qual a criança venha a passar.


No Facebook e na Apple, por exemplo, há o incentivo a programas de congelamento de óvulos, de modo que as empresas pagam os custos para que as mulheres congelem suas células reprodutoras e, com isso, adiem possíveis planos relacionados à maternidade. A Apple cobre, inclusive, os custos legais de processos de adoção. Em companhias menores, que não podem arcar com esses custos, a política é simplesmente eliminar candidatas mulheres que planejem constituir família um dia.

Como se não bastasse, uma pesquisa global realizada em 2013, e que colheu depoimentos de 6 mil pessoas que trabalham com ciência, tecnologia, engenharia e cálculo, revelou que as mulheres nessas empresas de tecnologia também costumam sofrer algum tipo de assédio sexual. A maioria reportou já ter ouvido cantadas quando usa saia ou uma cor mais forte de batom, por exemplo.



Uma das entrevistadas, que trabalhou como gestora em uma empresa, relatou uma situação abusiva, na qual dois diretores tentaram embebedá-la junto com outra funcionária durante uma reunião de trabalho. A situação chegou a tal ponto em que o outro diretor estava “tocando inapropriadamente” a outra colega de trabalho, nas palavras da entrevistada. O caso foi reportado à administração da empresa e nenhuma atitude foi tomada a respeito.

“Ouvi que estava me vitimizando. A companhia me levou para o RH um dia quando eu estava vestindo um terno e eles disseram: ‘Nós recebemos reclamações de que você está se vestindo inapropriadamente para o trabalho’. Eu olhei para mim e disse: ‘O que há de inapropriado nisso?’ e eles disseram ‘Não, não é sobre hoje, foi em outro dia’, mas não souberam me dizer exatamente o que é que eu estava vestindo que era inapropriado”.

“Se as mulheres não podem confrontar o sexismo que ainda existe na tecnologia sem medo de represálias, então a indústria [tecnológica] não pode chamar a si mesma de acolhedora do público feminino”, disse o autor do texto publicado pelo Alphr, Stewart Mitchell.



Fonte: Mega Curioso

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